Com a bola na mão
Hoje sou eu quem quica a bola da vez, filho. À medida que ela bate no chão e volta às minhas mãos, refaço idas e vindas, ataques e defesas de um jogo que começou a dezenove janeiros atrás.
Lembro
de você enterrado em uma cesta, em rede líquida e maternal, ultrapassando em
muito o ritmo das batidas do meu coração, correndo entre os caminhos do meu
ventre. Quando achava que estava aqui, você já aparecia ali.
E
assim irrequieto, acabou dando mais passes do que devia no cordão que nos unia,
quase estourou o tempo. Deu trabalho na hora de irromper quadra a fora, pra
vida. Já nasceu chorando seus direitos. Mas como o mundo é redondo, do jeito
que você gosta, se sentiu em casa e repousou quase quietinho na esfera da minha
barriga, às quatro horas da manhã de um dia festivo. Dois pontos: coragem.
Lembro
de como sua agilidade e impermanência eram presentes em tudo. Ninguém conseguia
bloquear suas jogadas. Colocar fralda e roupa em você era um jogo rápido. Uma
mão equilibrando uma bola, e a outra arremessando logo outra, pra não deixar o
ritmo cair. Até pra mamar, você era voraz e insaciável, arremessando sobras de
leite pra todo lado, e eu, na minha pouca esperteza, não tinha como me defender.
Dois pontos: identidade.
Lembro
de como você escolhia se lançar pelas janelas da sala no maternal, ao invés de
entrar pela porta, como todos os outros jogadores. E a professora já nem achava
ruim, até gostava, porque você driblava todo mundo com esse sorriso franco, até
estranhos na rua. Você sempre foi mesmo de encantar qualquer torcida. Dois
pontos: carisma.
Lembro
de sua mania de voar no garrafão de portas de armários, árvores, muros e eu
sempre lhe dava assistência nas bolas que cresciam na testa, na nuca, na sobrancelha,
no pé. Mas você logo saía ventando com outras bolas na mão, pra se posicionar
em novas tabelas. Dois pontos: superação.
Sabe
uma lembrança que quica baixinho aqui e agora no peito: seu cuidado com os companheiros
de time mais frágeis e especiais. Cedia a vez, dava muitas assistências e por
isso sempre foi amigo de tantos. Todo mundo gritava seu nome e esperava de você
essas jogadas fenomenais. Dois pontos: bondade.
Lembro
também que sua adrenalina e raiva quicavam tão forte quanto o sorriso, quando
entrava numa disputa de bola ou os juízes da vida estavam equivocados. O único
jeito era lhe dar um tempo até a bola baixar e você dar conta de me ouvir por
alguns segundos, pra logo sair quicando alegre outra vez. Mais dois pontos: sensibilidade.
Você
sempre quicou alegre com tudo na vida, filho. Sua alegria contagia times e
torcidas e atrai pontos e mais pontos no jogo. Seus pontos já chegam a dez.
Você é dez, mesmo. Mas vai aumentar o scout, tenho certeza.
Hoje,
você anda quicando bolas pelo Brasil afora, e eu fico mais aqui na arquibancada.
O cordão que nos une está cada vez mais extenso, mas ainda ouço forte a cada
dia os quiques do seu coração bem pertinho do meu, sempre muito mais veloz e
acelerado. Eu, na minha calma, assisto a seus jogos e lhe vejo como um
vencedor. Você é um campeão, mesmo. Tenha certeza disso, mesmo quando no fim de
um jogo o placar não for a favor.
Agora, lhe devolvo a bola. Sai quicando na vida, filho. A bola é sua.
(Escrito para Lucas Pinheiro Taets, em janeiro de 2012).
Que lindo texto! Perfeito.
ResponderExcluirBem descreve o Luquinhas hehe
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