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Ode ao meu olho esquerdo

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(a José Paulo Paes) 1. olhos são lâmpadas do corpo abrem luz para os caminhos se não iluminam o passo trôpego acendem tumulto em todo o ego deslocam vulto redemoinhos 2. ó olho que caíste em retrovisão claro estilhaço vidro dilacerante em uma quase retina por muitas mãos passastes dedos a recolher os cacos presos à conjuntiva algum estrabismo ainda lhe restou a dupla imagem do mundo espelho de si a semi realidade a quase ilusão 3. tateio, toco permeio, noto enganos aqui estou escuro refúgio inerte lentes ausentes há uma venda um véu ainda por rasgar 4. dê-me óculos por favor alinhe a órbita dos meus olhos irregulares dê-me a mão mais uma vez se assim o tolerares me guie se me amares fui quase deficiente e ainda sou 5. cuspa em minha íris dá-me tua saliva vejo homens como árvores 6. a mão que toca canção atinge a menina dos olhos

onde as crianças dormem

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sob um teto de zinco não minto uma criança dorme no senegal não há tempo de sonho há cansaço do lenho da escavação do arado da colheita no milharal sonhando acordado com a bola de futebol ah se nega a infância à criança do senegal sobre a cama de boneca bem mega uma criança dorme no japão não há mero sonho embrulhado em linho que não se possa atender com o brinquedo com a roupa e o sapato um farto prato, uma peruca qualquer ah já paga está a infância da criança do japão sob o céu azul de roma ninguém toma dorme uma criança da romênia um dia houve um sonho de refúgio em outro ninho agora é sem nação não tem escola trabalho não há só há um colchão sem cerimônia ah não é romana a infância da criança da romênia sobre o chão de faixas e coroas não é à toa dorme uma criança no kentucky como estrela vive um sonho embora o pouco tamanho quer superar beleza manter magreza se maquiar ganhar concur
CRONICIDADE In: Femear/2014 https://www.youtube.com/watch?v=OS27wU-Q9bQ

CARRANCA

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É um rio sinuoso Matas densas Escassas luzes Clareiras esparsas Esconde beleza Desfaz certeza Ressoa farsas. É preciso carranca Desbrava e franca No tronco da correnteza Escura e já salubre Vislumbrando vales Talvez Planícies pouco ligeiras Desvios de águas À procura do mar. Vou esculpir-me em madeira Imagem quase risível Despretensa, invisível Dispenso espanto Santo ou mau-olhado Rosto suado Suspenso em proa Na minha canoa. Ergo-me vaga Sorriso largo E bom ciso Aviso aos navegantes Navegar é preciso Em rumo impreciso Caminhando para o mar. Não afugento Imagináveis perigos Trago abrigo De alguma armadilha Recolho amigos De margens aparadas E verdes na estrada Desse igapará Que pouco sei Onde vai dar. Minha carranca É cara de criança É face de esperança e trança Em águas sujas de viagens Cujas mágoas das nuanças Do sal ainda por chegar Quer olhar pra frente Sem parada em mente

rondó felino

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ronda aconchego atrás da porta espera pernas e roçado cangote cede charme à mão o pelo traz carência torta sugere afago ronronante traz abastança por um triz espreita logo alguém lhe chame ajeite bis de comilança          ronda aconchego rodeia cantos aposmente e por efeito satisfeito joga elegância sobre o colo suspeita afeto e pele quente ninho de gato língua e olfato          ronda aconchego In: FEMEAR/2014 Ilustração de Pri Sathler

de que cor são seus olhos?

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I das formas da memória fictícia arrebato poemas loucos e doces que anunciam a cor de seus olhos invadindo espectros do passado presente futuro. do tom hermético abrem-se múltiplas imagens personagens que trazem sempre ínfimas marcas e alimentam o meu fazer poemas. há um tom anzol neles que se desfaz caleidoscopicamente reconfigurando amores imaginários amantes platônicos que refazem você. II deu-se tão silencioso tão estranhamente como se estrangeiros fôssemos o que sua boca não me dizia tocavam-me os oblíquos olhares de vidro. faltaram palavras pra compor poemas em língua lusa é preciso palavras pra dizer poemas uma imagem que não se desfaz em palavras foi tudo o que restou pra dizer. III meus sentidos loucos me traziam olhos de lentes que aumentavam desejos ver no fundo o que queria. os meus músculos inertes lembravam vontades presas por correntes do seu querer mal acabado. os meus pensa

Sombra

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Vem o dia A luz me causa Sombra inclinada Direção ao poente À frente Em mim plugada Reticente Noticia horas por vir Rumo sem pausa Mancha alada Esboço de ir. Meio-dia Se minha ou tua Tanto me confundo Sol quente Fulgurante Calor incessante Aglutina e mente Os nortes do mundo Sem sombra de certeza E a clareza ia Se esconder nua Rascunho de solitude Amiúde Rente a mim. Quase finda o dia Proclama a noite Açoite a escurar o peito Sombra em pós No jeito de não se ver Ali no espreito Bem na ré Anexada ao pé Lé com cré Mas não a vejo Percebo de persigo Persevejo Nexo de fé De amigo Que guarda o leito Em flama Ao caminhar. Agora é noite Plena sombra Sobre meu ombro Assombro No rubro e negro E grande e sobre Um transe Frio noturno Me enfurno Aparente solidão Sem saber Que estás em tudo À frente, atrás Na mente, acima Meu pé rima com tua paz em meio à sombra e tantos

Respigadeira

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A colheita já se deu Outros foram os colhentes Curvo-me Movimento pausadamente O peso de um corpo lento Marcado por poucas benesses do campo. Esforços justificam Respingos de suprimento Miro o solo Há restos a recolher Reciclar Sobre mim Um céu cinzento Anuncia alguma chuva Que ainda vai regar a terra Penetrar solos Fabricar húmus Gravidar sementes Gerar espigas novas Que outros vão ceifar E quiçá Fazer sobrar Amostras de colheita Que levo Sem vislumbrar Todo o trabalho da terra. Baseado em "As respigadeiras", de Jean François Millet, 1857. Ilustração de Pri Sathler In: FEMEAR/2014

NO MEIO DO CAMINHO

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uma vez no meio do caminho tinham dois caminhos mais uma vez tinham dois caminhos no meio do caminho ainda outra vez e outras tantas vezes no meio do caminho estarão dois caminhos nunca me esquecerei desses desrestringimentos um tanto ignorados pelas minhas pernas cansadas desconstruindo bifurcações nunca me esquecerei de que há sempre dois caminhos no meio do caminho