Pausa


Passeando pelas brasilidades e misturas dos ritmos nacionais, Airô Barros, pernambucana de Capoeiras/PE, que morou por mais de 20 anos em São Paulo e hoje fez pouso em Araucária/PR, lança seu mais novo CD. O trabalho foi gravado por meio de financiamento coletivo, uma saída para artistas independentes, como ela.
Airô conta com um time de músicos de primeira: Fernando Merlino (arranjos e piano), Jaime Alem (violões e viola), Pantico Rocha (bateria e percussão), Bororó (baixo), João Bani Sá Teles (percussão), Leonardo Amuedo (guitarra), Zé Américo (sanfonas), Luciano Corrêa (Violoncelo), Daniel Garcia e Júlio Merlino (Flauta Transversal).
A voz grave e firme da poeta, de veia nordestina e de contadora de histórias, ganhou a moldura especial dos arranjos cuidadosos de Fernando Merlino, que esbanjou graça, inclusive na regravação de Pasárgada, cujo primeiro arranjo é também dele, no belo álbum A poesia caminha, de Gladir Cabral e Jorge Camargo. Pasárgada veste roupa mais leve e um pouco mais acelerada, do que na primeira versão, mas mantém a mesma elegante maestria. “Que haja alegria nas ruas/ festa, folia e quintal...” é o tom desde o início da música. “Onde o ribeiro da paz encontre a foz”, a sensação deixada pelo instrumental, em ligeirice de águas que não param de correr em direção ao final almejado por nós todos.
Assim como Pasárgada, que fala de um lugar de descanso futuro, mas construído aqui e agora, no chão nosso de cada dia, as demais canções do CD transitam em torno do tema/título: Pausa. “Todo o dia pausa discreto o meu coração”, dizem os versos sensíveis de Gladir Cabral. E a canção termina com um breve bater coronário da percussão. Nela, ainda, como em outras canções do álbum, o diálogo entre voz e instrumentos é notável.
Aliás, o diálogo é a tônica que concretiza o que as letras das canções insistem dizer. Contrapontos e tensões entre o hoje e o que será, a vida e a morte, o que foi e o que é, o locus amoenus e os barulhos das grandes cidades, o simples do passado e o complexo dos nossos dias, o primeiro passo e a caminhada, entre seguir e pausar.
E as escolhas da poeta/cantora são claras. “Se avexe, não!”, há o “Sonho do grão, grande dom que é todo dia renascer...” Uma opção por pausar. “Pode ser tempo de esperar, parar pra ouvir coisas que o silêncio diz ao pé do ouvido da gente”. Sem negar as contradições que engendram essa opção. Cada pólo de tensão da existência se mistura com outros, e eles são plenamente imbricados entre si. Seguir pausando. Pausar seguindo. Sempre e hoje.
Como a tensão das cordas de Que nem a gente. Com arranjo primoroso, o tema em tom menor circula em “lúdios”, ao longo de toda música, mediando contrapontos entre as estrofes e o refrão. Estrofes que mostram as muitas nuances de nossas relatividades humanas, em todos os tempos e lugares. Refrão que reafirma nossa igualdade e fraternidade em toda a condição de ser gente. “Todo mundo é assim que nem a gente, tudo igual, mas muito diferente...”
Ou os contrapontos dos passos de leveza na dança preconizada entre a sanfona e a voz de Airô, em Sr. Baião e em Toda poesia. Onde foi parar o baião? Não parou, ele anda por aí com muitas roupagens de brasis, mistura e cor. Pois, “Toda poesia é um rio que escorre para o mar”. Parte em direção ao todo. O todo sempre em parte.
Destaque para Arribação e os solos de piano e guitarra, verdadeiras “gotas de cristal/ sereno madrugada/ preparando para o sol nascer...”, e para Bordado, ao final, em piano e voz, no derradeiro diálogo entre a dor e a alegria, retrato da existência. Música que traz a melhor síntese, a gratidão pela vida.
Parabéns, Airô Barros. Parabéns a todo time desse belo trabalho. Vocês fizeram uma grande partida, em que todos somos ganhadores. Partida em que às vezes se pede tempo, tempo de pausa em meio à agitação do jogo que tem por aí e por aqui e dentro da gente, enfim.




Comentários

  1. Fiquei emocionada com seu texto tão carinhoso, cuidadoso e cheio de significado. Vale demais pra mim! cheiros

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  2. Obrigada, Airô. Eu é que fui agraciada com seu CD.

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